8 de maio de 2007

Filosofia, para onde vais?

Está a decorrer uma petição que pede o alargamento da oferta da Filosofia e o regresso do exame. «As consequências da desvalorização da Filosofia são bem maiores do que aparentam», alertam.


Não havendo Exame Nacional de Filosofia nem no âmbito da formação específica (12º ano), nem no âmbito da formação geral (10º/11º anos), e de acordo com o quadro legal instituído, deixa de ser possível utilizar a Filosofia como critério para o acesso ao ensino superior, inclusive nos próprios cursos de Filosofia.

Esta situação não faz qualquer sentido para Maria Filomena Molder, Coordenadora do Departamento de Filosofia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. E repete-se nas mais de três centenas de cursos do Ensino Superior que o requisitavam como prova de ingresso ao ensino superior, o que «veio realmente perturbar e mesmo desfigurar a relação entre o Ensino Secundário e o Ensino Universitário», argumenta a responsável académica..

A Associação de Professores de Filosofia (APF) considera «lamentável o facto de as aprendizagens em Filosofia terem deixado de ser objecto de avaliação externa», sublinhando que deveria haver um Exame Nacional que aproveitasse a presença da disciplina no currículo do Ensino Secundário como condição de acesso a cursos do Ensino Superior. Contudo, não acreditam que se esteja a dar um passo para o fim da filosofia até porque, segundo afirmam, do contacto que têm tido com o Ministério da Educação (ME), tem sido garantido que não só não se quer acabar com a disciplina no Ensino Secundário como «se reconhece a sua valência e se pretende valorizá-la».

Também Alice Santos e Luís Vilela, docentes de Filosofia, discordam do facto de se extinguir o exame e não compreendem a opção da tutela. Contudo, Alice Santos arrisca uma possível causa: «talvez por razões económicas, porque fica caro e são necessários muitos recursos humanos». Contactado pelo EDUCARE.PT o ME recusa esta hipótese mas não explicita o que o levou a tomar estas decisões.

Alice Santos defende igualmente que a Filosofia está «muito subtilmente a perder espaço [foi reduzida a disciplina opcional e retirada das disciplinas específicas]», temendo que a médio prazo seja posto em risco a obrigatoriedade da disciplina no 10º e 11º ano. A docente aponta ainda o dedo ao ME por surgirem regras numa semana, e na semana seguinte ser tudo alterado. «Os pais sentem-se angustiados e enganados pelo Ministério. Os professores são âncoras dos alunos mas muitas vezes resta-nos encolher os ombros porque não sabemos o que dizer. Quem está a promulgar não sabe o que está a fazer.», acusa.

Os próprios pais reconhecem a importância da filosofia para a formação dos filhos, defende Luís Vilela. E a explicação é simples. A Filosofia «é um espaço de dialogo e discussão, exercício de actividade argumentativa que não se encontra noutras disciplinas», garante Alice Santos. Exercício da razão, uma mais valia que dá poder para lidar com o mundo contemporâneo que outras disciplinas não dão, «primeiro estranha-se mas depois percebe-se e até se pode dominar», afirma.

Com «importância vital não só por si mas também pelas suas características», acrescenta Luís Vilela, a filosofia desenvolve capacidades argumentativas, de leitura, analise textual, clarificação e fundamentação de ideias. «Os alunos necessitam disso. Gostam disso», sublinha Luísa Almeida, docente na mesma escola.

Por tudo isto, Luís Vilela acredita que muitos pais poderão vir a assinar a petição que está a decorrer e que contém duas pretensões: alargar a oferta da disciplina de Filosofia a todos os cursos científico-humanísticos do 12.º ano e reintroduzir o exame nacional de Filosofia do 10.º/11.º anos para efeitos quer de conclusão do secundário, quer de ingresso no ensino superior.

Luísa Almeida defende que «não está em causa qualquer tipo de corporativismo» mas sim o reconhecimento da importância da filosofia. A comprová-lo decorreram vários debates com figuras de diferentes áreas profissionais e a petição já foi assinada por diversas personalidades como António Barreto, António Dias de Figueiredo, Carlos Fiolhais, Daniel Sampaio, Guilherme Valente, João Lopes Alves, José Pacheco Pereira, Nuno Crato ou Santana Castilho. A iniciativa continua a receber apoios diariamente e a petição vai continuar aberta até que as suas pretensões sejam atendidas pela tutela.

Também para a Sociedade Portuguesa de Filosofia a causa para estas medidas do ME continua a ser um mistério porque, dizem, «os vários responsáveis no ME nunca deram uma explicação científica e curricularmente fundamentada para estas decisões».

Segundo António Paulo Costa, da SPF, a verdade é que apesar de o Ministério se socorrer de argumentos segundo os quais a Filosofia teria agora mais "espaço" do que nunca a disciplina está «manifestamente a perder espaço no ensino secundário». A comprová-lo, argumenta, está «a injustificada» supressão do exame nacional de Filosofia, o «completo desincentivo» dos clubes de leitura e de estudo informal da Filosofia nas escolas; a «quase inexistência de oferta de acções de formação de Filosofia» por iniciativa do ME, bem como a aposta do ME em fazer crescer o peso do ensino profissionalizante no Secundário «onde a disciplina não está prevista».

Esta desvalorização social da Filosofia terá inevitavelmente consequências que se irão reflectir numa espécie de processo de “barbarização” de consciências «Um sistema de ensino que ignore ou desvalorize o papel decisivo de disciplinas como a filosofia no seu seio promove o aparecimento de cidadãos mais indiferentes e menos participativos, de pessoas mais acríticas e menos capazes de pensar por si», explica o responsável da SPF

Por isso mesmo garantem que o próximo passo terá de ser dado pela Ministra da Educação, que «não pode continuar a ignorar aquilo que lhe é solicitado em uníssono pela comunidade filosófica e por cidadãos que há muito perceberam que o desenvolvimento do país não pode ser feito atalhando na ciência, na cultura, na arte ou na Filosofia».