2 de agosto de 2007

Uma lufada de ar fresco

Economistas e gestores dizem que o projecto não é viável e aconselham o Ar.Co a fechar as portas já desde 73. Resistentes, nunca fecharam e prestes a fazer 35 anos receberam o prémio Gulbenkian Educação.


A ambição de criar uma alternativa para a situação do ensino artístico em Portugal numa época de estagnação política e cultural levou a que um grupo de pessoas ligadas ao ensino da arte - a maior parte saída da escola de belas artes – se juntasse para dar corpo a um projecto com um tipo de ensino alternativo, mais informal, menos burocratizado, menos oficioso... “Alguns ainda experimentaram ensinar em algumas instituições recentes da altura mas acabaram por formar o Ar.Co, na altura como uma sociedade anónima que rapidamente, 2 anos depois, veio a ser transformada numa associação por se ver que havia grandes vantagens”, recorda Manuel Castro Caldas, actual director executivo do Ar.Co.

Já lá vão quase 35 anos. À cabeça do grupo de fundadores estava Manuel Costa Cabral – que veio a ser director do Ar.Co durante 22 anos - e Graça Costa Cabral. A apoiá-los financeiramente surge Lucinda Godinho, mecenas avant la lettre, a quem hoje nos espaços do Ar.Co, entre a Rua de Santiago, em Lisboa, e a Quinta de São Miguel, em Almada, ainda chamam de “Nossa Senhora”.

O Ar.Co propunha então uma pedagogia aberta à experimentação e à interrogação constante sobre as suas próprias funções e limites. Segundo o slogan da altura o plano de estudos do Ar.Co “não era um curso mas um percurso”, permitindo grande liberdade aos estudantes na escolha de um programa pessoal e proporcionando-lhes no próprio local de formação o contacto e o confronto critico com os mais diversos acontecimentos culturais.

A primeira ideia era uma escola de arte independente. Em que é que isso resultou no inicio? “Numa espécie de centro cultural - que era mais ou menos o desenho do que era possível fazer nessa altura e sobretudo em torno dos anos da revolução - que como tinha poucos programas era muito aberto a todas as propostas que viessem de fora... E o Ar.Co fazia todo o género de actividades de formação e já num estilo que ia desde os pequenos cursos até às conferências...”, explica Manuel Castro Caldas, sublinhando que o Ar.Co “era, sobretudo um centro que acolhia”.

À medida que acolhia também se foi organizando. Antes do fim dos anos 80 o actual director executivo entende que não se pode falar de um programa competitivo ao nível profissionalizante, mas depois, “com a reformulação dos programas, desde o fim dos anos 80 até aos anos 90, o Ar.Co passou a ter uma predominância quase hegemónica na produção de autores/artistas.”, esclarece. Hoje em dia, reconhecem que já não têm o monopólio mas, sublinha Manuel Castro Caldas, “nunca mais perdemos essa posição de destaque na formação de artistas para o mercado de primeira linha”.

A escola, que começou com um grupo de cerca de 60 alunos e aqui há uns anos atrás tinha 850, tem vindo a crescer. “Isto cresceu muito em quase 35 anos” afirma Manuel Castro Caldas. Ainda assim, o director executivo não tem dúvidas em afirmar que este era, e é ainda visto como um projecto improvável. “É improvável financeiramente e desde 1973 que os economistas e gestores não param de nos dizer isto, que isto “não é viável”, “fechem a porta”... E nós não fechamos”.

Prestes a fazer 35 anos nunca fecharam as portas. Fazem um balanço “muito positivo” destes anos de trabalho, mas as contrariedades são muitas. “Isto nasceu a lutar contra a corrente em muitos aspectos para conseguir sobreviver e, além de sobreviver, ainda estar a pôr aqui qualquer coisa que faz falta na sociedade portuguesa e seria pena não haver...”, afirma Manuel Castro Caldas.

Desde há anos que estão a sofrer gravíssimos problemas logísticos e financeiros porque decresceu o número de alunos - situação que se repete um pouco por todas as instituições. O director executivo reconhece que o Ar.Co passou por muitas crises mas, afirma, “nos últimos cinco anos isto tem sido mesmo difícil”. É uma espécie de jogo de equilíbrios e balanços constantes onde todos os anos “este balanço tem que se fazer de maneira diferente: conforme as coisas se passam, conforme há mais dinheiro, conforme há menos dinheiro, conforme há mais alunos, conforme há menos alunos... mas temo-lo feito!”, explica.

Por tudo isto, neste momento, ter o reconhecimento de uma instituição como é a Fundação Gulbenkian, “é da maior importância”, afirma. Para o Ar.Co receber o Prémio Gulbenkian Educação “é uma grande honra e uma enorme lufada de ar fresco”, mas para Manuel Castro Caldas o mais importante é mesmo que o reconhecimento venha do lado da educação. “Isso para mim é muito importante porque o Ar.Co sempre foi visto na sociedade portuguesa – penso eu - como uma coisa meia do meio artístico. o Ar.Co o que faz é formação. Na verdade é formação artística, mas é formação”, justifica.

Com um público muito variado, nas instalações do Ar.Co é possível encontrar pessoas de todas as idades e com os mais diversos objectivos. “É no tipo de formação e no modo como dá a formação que [o Ar.Co] difere substancialmente das outras escolas”, salienta Manuel Castro Caldas. Há quem procure uma formação pontual, quase do tipo de sensibilização ou, às vezes, quase com efeitos terapêuticos - coisa de que Manuel Castro Caldas se orgulha muito porque, defende, “a formação artística é muito forte para efeitos terapêuticos”. E por outro lado, não falta uma “formação absolutamente completa, exigente, sistemática”, “de autor”, “competitiva com as outras formações existentes no mercado e sempre a automonitorizar a sua qualidade e os seus resultados” – os cursos multianuais profissionalizantes na área da cerâmica, escultura, joalharia, pintura, desenho, ilustração e banda desenhada, design gráfico, história e teoria da arte, cinema. Não foram também esquecidos os tradicionais cursos de Verão, os cursos para miúdos, e os cursos feitos noutras escolas como aconteceu este ano na St Julian’s School.

O valor do prémio Gulbenkian educação – 50 mil euros - ainda não tem nenhum destino específico mas, segundo o director executivo, vai permitir “continuar a andar para a frente e a ter planos de desenvolvimento” ao mesmo tempo que lhes dá alguma segurança de que não vão fechar a porta amanhã.

Para o futuro os planos são não estagnar, não deixar que a mediocridade; o hábito; a monotonia e a falta de interesse se instale e manter o nível de exigência alto. O objectivo “é sempre melhorar”, salienta.